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Entrevista de Ex-Aluna do INSG/Macaé

em 19/03/2015 | 00h00min

Entrevista de Ex-Aluna do INSG/Macaé

"MINHA ESCOLA ME ENSINOU A SER HUMANA, A OLHAR PARA O PRÓXIMO"

Vitória Ramos, ex-aluna do INSG/Macaé, é analista de políticas na ONG internacional ActionAID. Nesta entrevista, conheça a inspiradora história desta jovem.

Estimular o protagonismo juvenil e o trabalho social, formar cidadãos que contribuam para uma sociedade mais justa e fraterna são alguns dos objetivos da educação salesiana.Vitória de Paula Ramos, 23 anos, ex-aluna do INSG/Macaé, é um exemplo da juventude que nossas escolas buscam despertar. Formada em Relações Internacionais, ela atua como analista de políticas da ONG ActionAid Brasil, presente em mais de 40 países. Na organização, Vitória desenvolve atividades voltadas principalmente para o combate à pobreza e às injustiças socioambientais.

Durante boa parte de sua vida, Vitória estudou no Instituto Nossa Senhora da Glória, em Macaé-RJ. Ingressou na escola aos 3 anos, no Jardim, e saiu aos 17, em 2008, ao completar o ensino médio. A ex-aluna faz questão de apontar as atividades educativo-pastorais realizadas na escola como experiências decisivas para seu projeto de vida. "Foi no Castelo que comecei a fazer trabalhos voluntários, quando tinha uns 10 ou 11 anos (...) Desde então, nunca tive dúvidas em relação ao que considero minha missão na vida, a de trabalhar para quem mais precisa", ressalta.

Em entrevista ao RSE Informa, Vitória conta um pouco de seu trabalho na ActionAid, as lembranças dos tempos de aluna e suas experiências no Continente Africano, em ações realizadas fora da ActionAid, por iniciativa própria. Ela também comenta o tema da Campanha da Fraternidade 2015 e partilha um pouco de sua visão de mundo. Ela sabe que a missão de transformá-lo é um grande desafio, de muitos caminhos, que passam, todos eles, pelo respeito aos direitos humanos. E deixa um recado aos jovens: "Tenho certeza que tudo isso que fiz e faço pode ser feito por qualquer uma/um de vocês. Eu garanto que não é muito, mas pode fazer a diferença para outras pessoas e para a sociedade".


RSE Informa: Fale um pouco sobre a ActionAid e sua trajetória na organização.

Vitória: A ActionAid é uma organização internacional cuja missão é o combate à pobreza e às injustiças socioambientais. Está presente em mais de 40 países ao redor do mundo e no Brasil atua há 15 anos. Em abril completo 4 anos trabalhando na ActionAid Brasil, onde comecei como estagiária no setor de Direito à Alimentação e tive contato com uma realidade um pouco nova pra mim: a pobreza rural e o desenvolvimento no campo. A ActionAid atua no nível local através de parcerias com organizações de base e movimentos sociais ao redor do Brasil, que fazem trabalhos incríveis de desenvolvimento das comunidades, gerando soluções que sejam social e ambientalmente justas para as verdadeiras demandas das pessoas nessas comunidades.

Pude ter bastante contato com esse tipo de trabalho mais local nos 2 primeiros anos trabalhando lá. Agora trabalho com análise de políticas a nível nacional e internacional, fazendo pesquisas para monitorar algumas políticas públicas voltadas para a população mais pobre e incidindo para que tais políticas se aprimorem a partir das demandas de quem as usufrui e sempre em parceria com outras organizações da sociedade civil brasileira.


RSE Informa: Você esteve na África para realizar trabalhos sociais. Como foram as experiências?

Vitória: Minha primeira viagem ao continente africano foi em 2010 quando vivi com uma amiga na Cidade do Cabo, África do Sul, por um mês, trabalhando em um lar para crianças que eram órfãs ou cujos pais não tinham condições de criá-las. Passávamos as tardes com essas crianças, que eram quase 40 meninas e meninos de 3 a 17 anos, e ajudávamos nos seus deveres de casa, a servir o lanche e desenvolver atividades mais lúdicas.

Aquelas crianças eram muito carentes de atenção e criaram um vínculo muito forte conosco, pois as enchíamos de carinho. Os funcionários do lar diziam que os outros voluntários que recebiam eram em sua maioria europeus e não eram tão calorosos quanto minha amiga e eu (risos). Foi uma dor partir, e até hoje sinto falta das crianças, pois vivi uma entrega muito grande a elas. Dois anos depois fiz outro trabalho voluntário, dessa vez na Etiópia, um país completamente diferente de tudo que já tinha visto. Fui com meu companheiro para dar aulas de inglês para crianças na escolinha de uma comunidade bem pobre na capital do país, Addis Ababa. Foi uma experiência muito profunda porque o lugar em que eu morava e dava aulas era muito pobre, estava até sem abastecimento de água, e a cultura etíope é muito diferente e interessante. Além disso, eles falam o idioma amárico, então a comunicação era muito mais difícil, sempre precisávamos de alguém de lá para ajudar na tradução. Novamente foi uma grande entrega, viver aquela vida tão diferente e dar o meu melhor para fazer pelo menos um pouco de diferença na vida daquelas crianças, tão puras e amáveis. Ambos trabalhos foram iniciativa própria, não vinculados à ActionAid.


RSE Informa: Qual a importância da educação salesiana do INSG Castelo na sua formação?

Vitória: O Castelo sempre foi minha segunda casa. Minha mãe era professora de música lá, era muito conhecida e querida, e estava sempre por dentro da educação minha e da minha irmã. Eu conhecia muito bem os funcionários e as irmãs, além das instalações (como a palma da minha mão). Acho que o Castelo sempre nos estimulou a ir além das salas de aula, então sempre tive atividades extras lá e era muito envolvida e ativa nos eventos da escola.

Sempre digo para as pessoas que minha escola me ensinou a ser humana, a olhar para o próximo, e para mim isso vai muito além da religião. Foi no Castelo que comecei a fazer trabalhos voluntários, quando tinha uns 10 ou 11 anos – em uma das aulas de Ensino Religioso com a Tia Tereza resolvemos criar um grupo de jovens e nos reuníamos toda sexta-feira. Quinzenalmente, fazíamos uma visita ao orfanato Menino Jesus (acho que era esse o nome) ou ao Recanto dos Idosos. Eu simplesmente amava aquelas visitas, sempre que estava em um desses lugares eu sentia que eu era eu mesma e aquele era o meu lugar. Desde então, nunca tive dúvidas em relação ao que considero minha missão na vida, a de trabalhar para quem mais precisa, para mudar sua situação, e devo isso ao Castelo.


RSE Informa: De que mais você tem saudade quando se lembra dos tempos de aluna salesiana?

Vitória: Nossa, tenho saudades de muitas coisas! Eu tive a sorte de estudar em um lugar lindo e com as mesmas amigas incríveis por toda essa parte da minha vida (e ainda hoje), então aquele era o nosso lugar, onde eu me sentia pertencendo a algo. Acho que o sentimento mais próximo para descrever o que foi o Castelo pra mim é “lar”, tanto que ainda me sinto à vontade quando faço uma visita na escola, mesmo ela já tendo mudado tanto, porque muito mais do que a estrutura física (incrível) do Castelo, ele sempre foi feito de pessoas, por pessoas, para pessoas. O elemento humano é muito importante. Acho que talvez esse seja o grande diferencial de uma escola salesiana.


RSE Informa: Em que momento você percebeu que gostaria de dedicar-se ao trabalho em uma ONG internacional? Como foi a descoberta?

Vitória: Bom, como eu disse, desde os 10 anos eu sentia forte em mim uma missão de trabalhar para superar a pobreza (naquela época não entendia com essas palavras, rs). Com 14 anos, ao assistir um filme sobre exploração de pessoas na África, decidi que queria fazer Relações Internacionais. Durante a faculdade descobri que existia o chamado Terceiro Setor e que eu poderia trabalhar em uma organização não-governamental sendo remunerada, então decidi que era isso que eu queria. Acabei focando meus estudos em ajuda humanitária, direitos humanos e estudos africanos. Na metade da faculdade, consegui o estágio na ActionAid e, quando me formei, pude ser efetivada. Lá estou até hoje. Me sinto muito grata todos os dias por ter a oportunidade de trabalhar com o que eu quero e o que eu amo, sei o quanto isso pode ser difícil.


RSE Informa: A Campanha da Fraternidade deste ano destaca a relação da Igreja com a sociedade, ressaltando que o cristão veio para "servir" ao próximo. O que você achou da reflexão proposta?

Vitória: Fiquei muito feliz quando li alguns documentos da campanha porque está muito de acordo com o que os setores mais progressistas da sociedade civil organizada brasileira estão demandando para este período conturbado em que estamos vivendo. A Igreja tem um papel muito importante de mobilização da sociedade brasileira e é essencial que essa mobilização seja voltada para o olhar ao próximo e a humildade, porque infelizmente vivemos em uma sociedade cada dia mais individualizada. Precisamos entender a pobreza como uma condição resultada de uma sociedade desigual, e não como uma escolha. E para mudar essa sociedade desigual é preciso solidariedade e não meritocracia.

 

RSE Informa: Tendo em vista o que você tem vivenciado em suas missões, você acha que um dia será possível, por exemplo, erradicar a pobreza e fazermos do mundo um lugar pacífico, de convivência harmônica entre as pessoas? Qual o caminho?

Vitória: Gostaria muito de poder responder essa pergunta, mas ela é muito ambiciosa! Um mundo pacífico e livre de pobreza é tudo que eu poderia desejar, mas infelizmente ele é impossível de ser alcançado com o sistema em que vivemos hoje em dia, que na verdade fomenta a fome e a guerra. Não acredito em um caminho, mas acredito em caminhos (no plural) possíveis – nenhum deles dentro do sistema dominante hoje e todos eles a partir de uma lógica de direitos humanos.

Tive a sorte de conhecer algumas experiências de formas de vida alternativas, infelizmente ainda muito pouco visibilizadas. Por exemplo, camponeses e povos tradicionais que produzem alimentos baseados nos princípios da agroecologia (sem insumos químicos, em harmonia com a natureza e com a comunidade), movimentos que lutam pelo direito à cidade para que elas sejam pensadas nas pessoas em primeiro lugar e não nos negócios, efetivação de todos os direitos humanos, entre outros.


RSE Informa: Para onde vai a Vitória nos próximos anos? Quais os seus projetos e perspectivas?

Vitória: Não tenho nenhum plano muito concreto ainda, para falar a verdade. Quero terminar minha pós (em Políticas Públicas e Cultura de Direitos na UFRJ) e começar um Mestrado no ano que vem, mas ainda estou decidindo onde quero estudar. Sei que quero estudar questões agrárias e desenvolvimento rural, pois me apaixonei por este campo a partir da minha experiência profissional, e agora sinto que preciso ter uma base acadêmica nestas questões.


RSE Informa: Deixe uma mensagem aos jovens da Rede Salesiana de Escolas.

Vitória: Olá! Espero não ter soado presunçosa nesta entrevista, falar de mim mesma é sempre um problema pra mim, e tenho certeza que tudo isso que fiz e faço pode ser feito por qualquer uma/um de vocês. Eu garanto que não é muito, mas pode fazer a diferença para outras pessoas e para a sociedade. Lutar por uma sociedade mais justa e igual é uma forma de viver. Deixar a sua redoma de vidro de lado e aceitar olhar para o mundo de forma crítica pode ser cruel às vezes, mas nunca deixa de ser real – a ignorância não é uma benção. Você é uma/um jovem muito afortunado só de poder estar lendo essa entrevista, significa que tem bons estudos. Nunca tome isso como dado, e lembre-se que essa oportunidade ainda não existe para todas as pessoas. As oportunidades são desiguais, a pobreza não é uma escolha e mudar isso requer que cada um de nós entenda suas verdadeiras causas e lute contra elas. Servir ao próximo é tão fácil, o mais difícil é tentar não servir a si mesmo o tempo todo, mas tentar é de graça!

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Fonte: Redação